Pesquisa com jovens egressos aponta desafios a serem superados pela rede de proteção
Lançamento do estudo foi feito de forma virtual durante o Seminário Nacional do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária
Identificar a realidade vivida pelos jovens que passam pelos serviços de acolhimento institucional ou familiar para crianças e adolescentes e os desafios enfrentados na saída deles. Essa foi a proposta da Escuta de Jovens Egressos, pesquisa lançada na última quarta-feira (04.11) durante o Seminário Nacional do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. O evento virtual foi promovido pelo Movimento Nacional Pró-Convivência Familiar e Comunitária.
O estudo integra o projeto de avaliação do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC) e foi realizado entre julho e outubro deste ano, com três grupos focais e quatro entrevistas individuais. Ao todo, foram ouvidos 27 jovens egressos de serviços de acolhimento, com idades entre 18 e 31 anos. A pesquisa foi viabilizada pelo Movimento Nacional Pró-Convivência Familiar e Comunitária (MNPCFC), coordenada pela pesquisadora Luciana Cassarino-Perez, com apoio do Instituto Fazendo História e acompanhamento da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) do Ministério da Cidadania.
Todos os jovens que participaram do levantamento passaram ao menos um ano em serviços de acolhimento, e saíram dessas iniciativas com 10 anos ou mais de idade. Entre os motivos de saída, 56% foram devido à maioridade, ou seja, atingiram os 18 anos, 15% foram adotados e 29% foram reintegrados às famílias de origem. Do total, 59% são homens e 41% são mulheres, de todas as regiões do Brasil.
"Ouvir os jovens egressos era importante nesse processo porque a gente precisava incluir a perspectiva do usuário na avaliação do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária", explicou a pesquisadora. A Escuta de Jovens Egressos é mais um passo na avaliação do PNCFC, assim como o relatório apresentado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no último dia 26, que apontou avanços e desafios na oferta dos serviços de acolhimento institucional para crianças e adolescentes.
Matheus França, de 20 anos, foi um dos jovens que participaram do estudo. "Eu gostei bastante da pesquisa por ver jovens como eu, de outros estados e outras culturas, e ver o quanto são parecidas as dificuldades e o medo, muitas coisas que eles pensavam e que eu também sentia ou sinto até hoje", comentou. "Acho que todo mundo deveria saber qual é a dificuldade de um jovem que sai de um serviço de acolhimento, quais são os medos dele", defendeu.
"Nós estamos trabalhando aqui uma agenda integrada envolvendo representantes de gestão, pesquisadores, movimentos nacionais e da sociedade civil, estamos trabalhando com conselhos, em prol da promoção, proteção e defesa do direito da criança e do adolescente à convivência familiar e comunitária", destacou a secretária nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania, Mariana Neris. "Nós precisamos de um bom diagnóstico para traçarmos as iniciativas de gestão, os planejamentos em torno da manutenção ou aprimoramento das políticas e dos programas já existentes, entendendo que a criança, o adolescente e a família são públicos importantes da assistência social", completou.
"Estamos tratando de uma política pública prioritária que está sendo delineada por meio de pesquisas e dados concretos. Política pública se faz a partir disso, de um diagnóstico de uma realidade social, e propõe uma teoria de mudança social, uma transformação social", afirmou o secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), Mauricio Cunha.
Resultados
A pesquisa com os jovens egressos foi realizada em três eixos: apoio à família e prevenção do afastamento familiar; reordenamento dos serviços de acolhimento; e adoção centrada no superior interesse da criança e do adolescente. Os jovens relataram as diferentes qualidades de infraestrutura entre os serviços, a alta demanda de trabalho e baixa capacitação de profissionais, e a falta da participação ativa das crianças e dos adolescentes nas tomadas de decisões.
A escuta dos egressos apontou ainda que muitos jovens enfrentaram uma alta circulação entre os diferentes serviços de acolhimento. "Não foram atípicos os relatos de terem passado por quatro, cinco, seis, sete serviços durante poucos anos de acolhimento", contou a pesquisadora. Por outro lado, destacaram que o acolhimento cumpre a função de proteção e de oferta de oportunidades.
Em relação ao acolhimento familiar, a maior parte dos jovens não conhecia a modalidade. Dos 27 entrevistados, apenas três tiveram a experiência de serem acolhidos por uma família. "Eles afirmaram que os vínculos afetivos estabelecidos com as famílias acolhedoras permaneceram, e isso favoreceu a transição. Então são pessoas de referência com quem eles contam até hoje. De forma geral, eles contam que as vivências foram positivas se comparadas às dos abrigos", relatou Luciana.
"Um aspecto central é a questão da vinculação afetiva. Isso está no cerne do desenvolvimento e é algo que precisa ser olhado com cuidado. Portanto, as trocas constantes que as crianças e os adolescentes fazem entre diferentes serviços ou diferentes famílias acolhedoras predizem risco, e isso já é comprovado cientificamente. Existe uma série de comportamentos de risco que são consequência de uma falta de vinculação afetiva do contato diário com os mesmos cuidadores", alertou.
O estudo identificou também a lacuna entre o acolhimento e a vida autônoma dos jovens, e levantou recomendações a serem trabalhadas, como a garantia da provisoriedade da medida protetiva, o suporte à criança e ao adolescente no ato do afastamento, a diminuição da circulação entre os serviços, a ampliação dos serviços de famílias acolhedoras e das Repúblicas, entre outras.
"Entendemos que, para garantir a inclusão da perspectiva dos usuários na avaliação do Plano Nacional, esses resultados são extremamente expressivos e valiosos, porém ainda temos um extenso caminho a ser percorrido para garantir os direitos dos jovens egressos dos serviços de acolhimento, e isso envolve a necessidade de investimento e incentivo à produção de diagnósticos e pesquisas no tema para embasar políticas", reforçou a pesquisadora.
"Toda medida de proteção deveria preservar e fortalecer os vínculos familiares e comunitários, garantindo respeito à diversidade, um atendimento personalizado, a liberdade de crença e respeito à autonomia da criança, do adolescente e do jovem na preparação para a vida posterior. Nesse ponto precisamos ainda avançar muito e por isso refletimos principalmente sobre esse ponto hoje", ponderou o secretário nacional do MNPCFC, Patrick Reason.
Atualização do PNCFC
A avaliação do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC) é um projeto coordenado pela Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) do Ministério da Cidadania e pela Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA) do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), com o apoio da Secretaria Nacional da Família (MMFDH), que envolve diversos parceiros na elaboração de oito estudos.
"É muito bonito ver que essa parceria entre o governo e a sociedade civil, que sempre foi muito presente na agenda da convivência familiar e comunitária, está presente na avaliação do Plano e trazendo resultados tão importantes para influenciar não só as políticas públicas, mas também as legislações e as decisões no campo da justiça que envolvem as crianças e os adolescentes", ressaltou Juliana Fernandes, assessora da SNAS.
"Essa escuta vem descortinar uma área que nós conhecemos muito pouco. Fiquei muito impactada com os resultados", afirmou a pesquisadora do IPEA Enid Rocha, destacando também a importância da capacitação profissional dos jovens enquanto estão acolhidos. "Isso não adianta ser feito após a saída do serviço de acolhimento. É muito importante, e a escuta também mostrou isso, a preparação do egresso. É uma área que não podemos negligenciar", acrescentou.
Além do estudo conduzido pelo IPEA e da Escuta de Jovens Egressos, outras pesquisas que integram a avaliação do Plano Nacional estão em curso. Nesta quinta-feira (5), o Seminário Nacional do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária fará o lançamento de mais uma pesquisa viabilizada pelo Movimento Nacional Pró-Convivência Familiar e Comunitária, com outros parceiros: o Levantamento Nacional dos Serviços de Acolhimento Institucional e Familiar em Tempos de Covid-19.
Todos os resultados da avaliação serão apresentados ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) como subsídios para a atualização do Plano Nacional. O evento desta quarta contou também com a participação de representantes do CNAS, do Conanda, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Diretoria de Comunicação - Ministério da Cidadania
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