Bolsa Família, mais que transferência de renda


Tiago Falcão, secretário Nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Tiago Falcão, secretário Nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Se fosse apenas um programa de transferência de renda, o Bolsa Família já traria um ganho enorme para a sociedade. Não só por sua faceta mais evidente, relativa ao alívio imediato da pobreza, mas também pela menos óbvia, referente à sua contribuição para o crescimento econômico – o Ipea aponta que cada R$ 1,00 investido no programa aumenta o PIB em R$ 1,44.

Acontece que o Bolsa Família é bem mais que transferência de renda. Cada benefício assume a forma de um pacto entre a família beneficiária e o poder público. As famílias têm de manter na escola os meninos e meninas de seis a 17 anos, de vacinar as crianças, de acompanhar seu desenvolvimento nutricional, e de certificar-se de que as gestantes façam o pré-natal. Cumprir esses compromissos é a condição para receber as transferências. Já a parte que cabe ao Estado não se limita ao pagamento do benefício. Envolve também o dever constitucional de ofertar serviços de educação, saúde e assistência social.

Não fossem as condicionalidades, boa parte das famílias beneficiárias, em especial as que vivem em pobreza extrema, não teriam acompanhamento de saúde adequado e não conseguiriam manter os filhos na escola. O mais provável é que essas crianças começassem a trabalhar muito cedo, em atividades de baixíssimas qualificação e renda, perpetuando o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza. Mas com a abordagem de responsabilidades mútuas, o Estado se obriga a tornar os serviços disponíveis e determina que as famílias os utilizem, tornando efetiva a sua universalidade constitucional. Cumpridas as condicionalidades, essa geração de crianças terá a chance de um futuro mais digno.

Conferir o cumprimento das condicionalidades é tarefa complexa, seja pela necessidade de articular órgãos historicamente condicionados a trabalhar de forma isolada, seja pelo imenso volume de dados envolvidos. O acompanhamento efetivo que temos hoje só se tornou possível graças a mecanismos e processos desenvolvidos e aperfeiçoados ao longo de anos. Para dar uma ideia dessa evolução, no segundo trimestre de 2002 – um ano depois da criação do Bolsa Escola –, apenas 10% das escolas do país informavam a frequência dos alunos – de maneira agregada, sem discriminar a assiduidade de cada um dos estudantes. Hoje, os 5.565 municípios brasileiros fazem o acompanhamento, que envolve todo o universo de escolas que têm alunos do Bolsa Família – com informações individualizadas por aluno.

Para que isso fosse possível, o MEC desenvolveu um sistema dedicado ao acompanhamento da frequência escolar do público do Bolsa Família. O registro e monitoramento dos resultados da frequência são feitos pelo MEC em articulação com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e com a participação dos estados e municípios. A cada dois meses, um “exército” de mais de 10 mil profissionais da educação é mobilizado em todos os municípios para registro da informação da frequência escolar de 16,6 milhões de crianças e jovens, com retorno de informação de quase 90% do público-alvo. Algo similar acontece na saúde a cada semestre.

Esse esforço conjunto está surtindo efeitos. Dados do IBGE mostram que, entre 2004 e 2009, a quantidade de jovens de 15 a 17 anos que frequentavam a escola no grupo dos 20% mais pobres aumentou 13,6%, enquanto que entre os 20% mais ricos não houve variação. No mesmo período, a quantidade de jovens de 15 a 17 anos que frequentavam a escola na série esperada para sua faixa etária (ensino médio) cresceu 51% no grupo dos 20% mais pobres, enquanto que no quintil mais rico o crescimento foi de apenas 1,8%.

Tais conquistas são, em larga medida, fruto de sete anos de política de estímulo à permanência na escola do Bolsa Família. O MEC aponta que em 2008 a taxa de abandono escolar do ensino fundamental entre os estudantes beneficiários foi de 3,6%; menor, portanto, do que o resultado referente a todo o universo de alunos desse nível, que foi de 4,8%. Pela primeira vez um resultado foi melhor para os mais pobres em um indicador educacional.
Apesar dos progressos, ainda há uma série de disparidades a reduzir. Por isso a agenda de condicionalidades persevera como essencial. Para o Estado, o descumprimento das condicionalidades indica que as famílias têm vulnerabilidades. O acompanhamento das condicionalidades fornece alertas sobre os desafios de inclusão social para superar a extrema pobreza.

Não é incomum as pessoas perderem de vista que o Bolsa Família não se restringe à transferência de renda, quando na verdade ele é muito mais que isso. O acompanhamento das condicionalidades envolve um trabalho descomunal, que embora pouco reconhecido, vem mudando a vida das crianças e jovens mais pobres do Brasil. É isso que nos move.

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